Núcleo de Educação Permanente do SAMU 192 - Regional Fortaleza
Educação Permanente em Saúde
Processamento dos Disparadores de Aprendizagem com o uso Metodologias Ativas e Participativas de Ensino e Aprendizagem
O Processo Ensino-Aprendizagem-Avaliação no NEP SAMUFor, baseado na Política Nacional de Educação Permanente e Política Nacional de Educação Popular em Saúde, tem como base os seguintes princípios educacionais:
- O Diálogo, na convivência em grupos de aprendizagem (educando-equipe);
- A Amorosidade, onde o saber ouvir e a cooperação serão capacidades a serem desenvolvidas;
- A presença do Facilitador enquanto Mediador de Aprendizagem, responsável pela mediação entre os educandos e entre o educando e os conteúdos e atividades do curso;
- A Problematização em círculos de cultura, rodas de conversa, oficinas situações-problema e narrativas;
- A Construção Compartilhada do Conhecimento entre educandos, mediadores e educadores de forma a adequá-lo ao contexto regional, territorial e cultural local;
- A Conscientização e Reflexão Crítica: reconhecer-se como agente de transformação da realidade e não aceitação ingênua de padrões predefinidos (libertação/emancipação);
- A Emancipação na "re-busca" de novos significados e soluções; e
- A utilização de Ambiente Virtual que propicie uma Comunidade Virtual de Aprendizagem: fóruns (espaços fora do tempo e espaço para comunicação assíncrona) e conteúdos disponíveis em áudios, vídeos, ilustrações e textos. Esse ambiente também propicia uma maior coesão da turma, esclarecimento de dúvidas sobre o conteúdo e sobre atividades do curso;
A representação do processo ensino-aprendizagem-avaliação na forma de uma espiral traduz a relevância das diferentes etapas educacionais desse processo como movimentos articulados e que se retroalimentam. Os movimentos são desencadeados conforme as necessidades de aprendizagem, frente a um disparador ou estímulo para o desenvolvimento de capacidades. A participação nos Fóruns Virtuais de Diálogo é fundamental nesse processo!
Espiral educacional do processo de ensino-aprendizagem a partir da exploração de um disparador 1.
MOVIMENTO 1 e 2: O DISPARADOR
A abordagem pedagógica dos cursos que utilizam ferramentas de metodologias ativas de ensino-aprendizagem (MAEA) como instrumentos de diálogo sobre a realidade vivida pelos participantes tem como fundamento essencial os disparadores de aprendizagem (Situações-problema, Narrativas, Viagens etc.) que nos levam ao conceito de problema. Para as MAEA, problema é uma realidade insatisfatória que gera desconforto e mal estar, mas que pode ser superável pela mudança para uma realidade considerada mais favorável (MATUS, 2006).
A identificação do problema, a partir de um estímulo educacional, permite que cada participante explicite suas ideias, percepções, sentimentos e valores prévios, evidenciando os fenômenos e evidências que já conhece e que podem ser utilizados para melhor explicar uma determinada situação. Depende inteiramente da leitura de mundo que cada um faz.
O processamento dos disparadores deve ser mediado pelos Facilitadores com vistas à produção de uma Síntese Provisória, em um encontro, e uma Nova Síntese, no encontro subseqüente de cada oficina. Na Síntese Provisória, conforme os movimentos da espiral educacional do Processo Ensino-Aprendizagem-Avaliação , cada grupo deve ser apoiado para que explicite suas explicações e hipóteses ou pressupostos. Ao identificar o conhecimento prévio do grupo, fica facilitada a formulação de Questões de Aprendizagem (QA). Assim:
- O disparador causa um desconforto e mal estar que leva o participante a querer superá-lo pela mudanças;
- Cada um tenta formular explicações, baseadas em sua própria experiência.
"Todos os saberes que as pessoas adquirem em seus papéis sociais, ligado à cultura e à sociedade em que estão inseridas são considerados conteúdos prévios. Inclui o conjunto de experiências pessoais atribuíveis aos estágios de desenvolvimento em que os aprendizes estão, como também de gênero, etnia, inserção econômica, valores e interesses cultivados e enraizados no contexto inicial da interação entre adultos e crianças, com especial destaque ao ambiente familiar" (BRANSFORD, 2007).
As explicações iniciais e a formulação de hipóteses permitem explorar as fronteiras de aprendizagem em relação a um dado problema, permitindo identificar as capacidades presentes e as necessidades de aprendizagem. O exercício de suposições, conjecturas e proposições favorece a expansão das fronteiras de aprendizagem e auxilia a elaboração das questões de aprendizagem que irão enfrentar as fronteiras identificadas.
O conhecimento prévio é considerado um elemento crítico no processo de ensino-aprendizagem. Mesmo antes de uma intervenção educacional, os educandos já apresentam um sistema de explicações e alguma ideia sobre uma determinada questão. Revelar essa compreensão é um aspecto decisivo para a aprendizagem, uma vez que os sistemas explicativos são carregados de valores e interesses e, muitas vezes, fundamentados por um pensamento simplificado, linear, mágico ou mítico. Assim, sistemas explicativos são racionalidades (conjunto de razões) ou hipóteses que fundamentam uma determinada perspectiva sobre um problema. E esses conjuntos de razões são argumentos guiados por nossas emoções, visando negar ou justificar nossos desejos e preferências (MATURANA, 1998). Os sistemas explicativos possibilitam compreender a leitura da realidade que cada um produz e estão fortemente relacionados à cultura, aos valores e desejos das pessoas e das sociedades.
O Facilitador deve valorizar os diferentes sistemas explicativos que cada participante traz, garantindo um espaço de expressão dessas diferenças, não abrindo precocemente ao diálogo, antes de ter certeza que todas as vozes caladas e/ou não ouvidas puderam ter sua expressão. É preciso democratizar o espaço de fala! Nesse momento de formulação de uma Hipótese Explicativa (HE), não precisa haver consenso, mas a HE deve retratar todos os diferentes sistemas explicativos, sistematizá-los de uma forma que se inclua, amplie e considere o diferente, numa atitude de respeito à diversidade. É um momento de relacionar e às vezes até de ligar contraditórios, tendo como produto um texto que a represente.
O Facilitador tem também que compreender o valor do erro, quando ele ocorre em ambiente protegido, como parte do processo de aprendizagem de saberes mais consistentes. Esse primeiro momento de processamento dos disparadores é esse momento protegido, onde, de modo responsável e ético, cada qual tem garantido o seu direito de fala e de erro, com vistas a um novo nível de saber. O Facilitador deve garantir esse espaço protegido, como um espaço de troca, de aprendizado e de sigilo; um espaço de ESCUTA onde se institucionaliza o afeto e o cuidado, como forma de produção de vínculos.
Cabe aqui uma reflexão: tendemos a conduzir grupos a partir de nossas próprias crenças... inconscientemente!! Quais são, então, as nossas crenças?
MOVIMENTO 3: QUESTÕES DE APRENDIZAGEM (QA)
Garantida a livre expressão e registro de todos os sistemas explicativos em forma de um texto curto, chega um novo momento de extrema importância que é a formulação de questões de aprendizagem. As questões de aprendizagem representam as necessidades do grupo e orientam a busca de novas informações, mas a seleção e a pactuação das questões consideradas mais potentes e significativas para o enfrentamento das necessidades e ampliação das capacidades de enfrentamento do problema identificado, traz objetividade e foco para o estudo individual dos participantes.
Questões de conhecimento, de busca por definições ou esclarecimento, em geral, são questões pobres em produzir aprendizado significativo, aprendizado que traga significados ao educando. As questões que desafiam os participantes a realizarem análises ou avaliações, invariavelmente, implicam estudo concomitante aos aspectos conceituais, mas vão além do reconhecimento de fatos e mecanismos, requerendo interpretação e posicionamento.
As QA representam o hiato entre o que o grupo já sabe, ou pensa que sabe, e o que deve buscar para ampliar sua compreensão sobre os fenômenos envolvidos e hipóteses levantadas. Ao final do trabalho, uma rodada com o grupo sobre como pretendem encaminhar a busca de informações para a(s) questão(ões) de aprendizagem formulada(s) pode ser um momento importante para que o facilitador apoie as capacidades dos participantes nessa área e promova a troca de experiências entre os mesmos, na definição de descritores e fontes.
O Facilitador tem um papel de extrema importância nesse momento e alguns fatores são críticos para o seu sucesso:
- Questões muito vagas, abstratas e generalistas levam o estudante para onde? Esse tipo de questão, em geral, não levam a nenhum aprendizado significativo;
- Cabe considerar que caminhos a pergunta vai fazer as pessoas percorrer? Questões muito restritas e estreitas resultam em respostas muito curtas e com baixo poder de produzir motivação de busca por evidências;
- E quando respondida, onde a questão leva o grupo? Em geral as pessoas querem e pretendem ir aonde já estão!
- A questão faz algum sentido para o fazer cotidiano individual dos educandos?
- Ter atenção às necessidades do grupo, percebidas durante o diálogo para a confecção da HE. Muitas vezes o grupo dialoga em busca da compreensão ou de alguma aplicabilidade para sistemas explicativos que surgem, mas produz uma questão de busca por conceitos e definições. Isso pode ser extremamente frustrante para os participantes e para o grupo como um todo e o Facilitador deve estar atento para pontuar a real necessidade do grupo e propor reanálise da QA;
- Considerar sempre convidar o grupo a avançar na Taxonomia do Domínio Cognitivo da QA.
MOVIMENTO 4: A BUSCA POR EVIDÊNCIAS
A busca de evidências, de novas informações, deve ser realizada pelos participantes da forma que considerarem mais adequada, mas deve ser efetuada sempre em fontes confiáveis. O curso disponibiliza um conjunto de referências bibliográficas na forma de acervo e favorece o acesso a banco de dados de base remota, mas o Facilitador deve sempre incentivar que cada participante amplie suas pesquisas e, embora haja total liberdade para a seleção das fontes de informação, estas devem ser analisadas pelo Facilitador em relação ao grau de confiabilidade.
Também o Facilitador deve incentivar que o participante poste o resumo de pelo menos um artigo de sua pesquisa (conforme TR de Resumo de Artigos) no Fórum de Diálogo, como forma de estímulo ao diálogo online. Considerar explicar novamente a busca de evidências com o uso de descritores no site da BIREME de forma coletiva ou individual. No segundo encontro, de apresentação das evidências encontradas para a resposta da QA, o Facilitador deve solicitar que o participante cite o autor e a fonte do artigo, demonstrando a importância desse cuidado da busca por fontes confiáveis.
Na busca por evidências na literatura, todos os conteúdos e hipóteses levantados devem ser colocados à prova pelas buscas e novas informações. O que fica desse tensionamento já é considerada uma nova síntese, sempre provisória e individual. Cada nova síntese individual representa a trajetória de aprendizagem e os valores atribuídos a cada elemento incorporado ou ressignificado, em relação ao conhecimento prévio. O Facilitador deve incentivar que toda nova síntese individual seja registrada no SEaD, seja nos Fóruns de Diálogo, como forma de socialização de novos saberes, seja no Portfólio individual, como forma de acompanhamento e avaliação formativa do educando pelo Tutor.
MOVIMENTO 5: A NOVA SÍNTESE
No encontro subsequente, na construção de uma Nova Síntese coletiva, embora o processamento seja coletivo, cada participante constrói uma nova síntese pessoal singularizada, uma vez que ela representa a aprendizagem construída, a partir do trabalho coletivo. Serão tantas novas sínteses quanto o número de participantes do grupo. A construção de novos significados é um produto do confronto entre os saberes prévios e os novos conteúdos e, por isso, é um movimento sempre presente no processo ensino-aprendizagem.
Não somente ao serem compartilhadas as novas informações, mas a todo o momento no qual uma interação produza uma descoberta ou um novo sentido, novas sínteses estarão sendo produzidas. Todos os conteúdos compartilhados deverão receber um tratamento de análise e crítica quer em relação às fontes como à própria informação em questão, devendo-se considerar as evidências apresentadas.
Cabe destacar que a ocorrência de conflitos é bastante comum na relação entre o repertório cultural trazido pelos educandos e os conteúdos explorados na busca por evidências. Como toda aprendizagem envolve transferência de experiências prévias, se a explicitação desse conflito não fizer parte do processo de ensino-aprendizagem, haverá uma expressiva chance de não se processar nenhuma modificação no conhecimento prévio, mesmo havendo a repetição de informações.
A sistematização de um produto do grupo, na forma de uma Nova Síntese coletiva, é um esforço cabível quando o objetivo for uma apresentação do percurso, de consensos e/ou dissensos para os outros participantes. O consumo de tempo e energia para a construção de um texto coletivo, mais aprofundado, é especialmente justificável quando os autores (o coletivo) acumularam experiências comuns a ponto de se tornarem uma comunicação técnico-científica.
Para os objetivos educacionais da atividade de processamento de situações-problema, nos interessam:
- as novas sínteses, realizadas individualmente pelos participantes e que podem dar pistas sobre o processo de aprendizagem em desenvolvimento, em relação ao conhecimento prévio de cada um;
- uma reflexão sobre a sistematização do percurso do grupo nessa construção (com a explicitação das hipóteses, questões de aprendizagem, conquistas e desafios originados pelo tensionamento do conhecimento prévio) que pode favorecer a metacognição, ou seja, a conscientização dos educandos sobre seus próprios conhecimentos e sua capacidade de compreender, controlar e manipular suas habilidades para aprender.
É de extrema importância sempre lembrar ao educando que o registro em seu Portfólio será a base de seu trabalho final de conscientização de seu percurso no curso e, por isso, deve ter registrado todos seus avanços na aquisição de novos saberes, sejam conhecimentos, compreensões ou aplicações, análises, sínteses e avaliações. Da mesma forma, todas as dúvidas e novos questionamentos que surgem devem também ser registrados no Portfólio, como forma de facilitar ao Tutor e ao educando a identificação e conscientização das necessidades de aprendizagem.
MOVIMENTO 6: TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE SOCIAL
Movimento essencial que fecha um ciclo da espiral. Novamente em movimento de dispersão, o grupo volta ao seu ambiente de trabalho tentando aplicar o conhecimento obtido na realidade social, visando a EMANCIPAÇÃO e o COMPROMISSO COM A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DEMOCRÁTICO E POPULAR, tanto dos educandos quanto dos trabalhadores, como resultado desse Processo Ensino-Aprendizagem.
MOVIMENTO: AVALIAÇÃO DO PROCESSO
Esse movimento, assim como o primeiro movimento, é permanente e acompanha, em espiral, todos os outros movimentos. Nesses, o estudante deve autoavaliar-se, focalizando seu processo individual de aprendizagem, assim como avaliar também a construção coletiva do conhecimento, a aplicabilidade e a aplicação do conhecimento, além da atuação dos educadores no processo. Assim, o processo ensino-aprendizagem torna-se Processo Ensino-Aprendizagem-Avaliação.
REFERÊNCIAS
- MATUS, C. O plano como aposta. In: PAGNUSSAT, José Luiz; GIACOMONI, James. (Org) Planejamento e orçamento governamental. Coletânea, v.1 1. ed. Brasília: Escola Nacional de Administração Pública, 2006. p. 115-144;
- BRANSFORD, John D.; BROWN, Ann L.; COCKING, Rodney R. Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e escola. São Paulo: Senac São Paulo, 2007.
- MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1988
1 Adaptado de Lima, V.V. Leraning issues raised by students during PBL tutorials compared to curriculum objectives. Chicago, 2002 [Dissertação de Mestrado – University of Illinois at Chicago. Department of Health Education]
NEP-SAMU 2016